Pegadas na Areia


Um novo projecto literário em curso.

Esta história com a sua envolvente misteriosa,
 baseia-se na vida fictícia de uma escritora
 com uma filosofia de vida muito particular.

Mais uma vez fica a promessa de alguma originalidade
e um lugar para deixar o mundo real e simplesmente sonhar...
ou não! he he he
 
 
Aqui tem uma breve passagem deste trabalho....
 
Pegadas na Areia
 
1º Capítulo
 
Está uma quente tarde de Agosto.
De olhos fechados e deitada de costas na areia, deixo-me levar pelos sentidos. Oiço o leve marulhar das ondas em dia de calmaria. O Sol aquece a minha pele enquanto uma suave brisa a acaricia e refresca. Está um dia perfeito!
Aos poucos deixo-me afundar cada vez mais nesta suave dormência. Oiço ao longe o som das vozes das crianças que brincam na água. Subitamente, também sou agora uma criança, oito anos talvez. Embalada por uma suave ondulação... num barquinho, um barquinho de borracha branco e vermelho com remos de madeira... e a praia ao longe, já não é a praia onde me encontro mas sim a Praia da Rocha. A brisa já não é fresca, é quente. As mãos que seguram com firmeza os remos de madeira... são do meu Pai!
Observo-o demoradamente, é como um sonho... continuo a ouvir o mar e as vozes das crianças ao longe... o meu Pai! Observa-me com um sorriso. Os olhos semicerrados, enrugados pela luz do Sol, espreitam por baixo da pala do boné marialva, beije aos quadradinhos pequenos. Contemplo aquele olhar e sorriso malandros que me faz agora lembrar o fadista do fado da Mouraria que cantava a Amália. O meu Pai, com uns calções beije e um polo azul marinho, sorri para mim... lembro-me tão bem...
- Queres remar? – Pergunta-me.
- Sim! – Respondi, trocando imediatamente de posição com ele.
- E para onde nos levas desta vez?
- Por aí! Talvez até ao Vau.
- Vais ter dificuldade em voltar, o vento estará contra nós.
- Não importa! O pai está aqui e rema para cá se for preciso!
- Muito bem! Pega nos remos! És o comandante do navio!
Sorri-me de novo, puxa a pala do boné sobre os olhos e deita-se atravessado na popa do barco com os pés de fora.
Ouço o som dos remos a cortarem a água, enquanto remo, observo o meu Pai.
O meu Pai... que tanta falta me faz!
Agora, trinta anos depois...
Faz hoje um mês que partiu. Retirou-se deste mundo no dia 12 de Julho, uma manhã de Verão igual às outras, quente, ensolarada, mas mesmo assim ele foi-se embora, partiu para sempre sem se despedir.
Na última vez que o vi com vida, estava deitado na sua cama. Tinha um crucifixo na mão e segurava-o frouxamente entre os dedos azulados. Os olhos grandes, muito abertos, olhavam na minha direção, mas não me viam...
Foi a última vez que o vi com vida, mas ele não me viu e eu fugi para a rua. Despedi-me dele em silêncio com um último olhar e um enorme peso no peito. Não queria que a minha filha pequenina visse o seu querido avô dar o seu último suspiro...
Agora temos mais um lugar na mesa, um lugar que mais ninguém ocupou. Que saudades do meu Pai. Passam dias e dias que não me lembro de ti! Agora já te posso tratar por tu porque já só vives no meu coração. Fazes parte de mim e eu trato-te por tu porque me pertences. Não me lembro de ti, mas não te esqueci, nunca te esquecerei!
Espero que estejas bem, onde quer que seja! Se for possível, lembra-te de nós, das tuas meninas, como carinhosamente nos chamavas...
- Menina Júlia! Menina Júlia!
Sou subitamente arrancada do meu mundo de ficção pelo chamamento insistente do meu jardineiro Pedro, um homem franzino e curtido pelo sol, com cerca de 50 anos. Pouso a esferográfica e fecho o caderno onde esboço o meu novo livro. Normalmente escrevo diretamente no computador, mas quando estou mais inspirada, sento-me no alpendre em frente ao mar e escrevo à mão. Nada há de mais inspirador para mim do que o mar e o vento.
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